domingo, 24 de outubro de 2010

Welt


Só uma nota, a desenvolver: Welt am Draht talvez seja o ( belo) filme de Fassbinder que mais radicalmente nos questiona acerca da possibilidade de um ponto de vista da coisa sobre o mundo: é possível à reificação engendrar fantasmagorias? Velha questão da superestrutura, que assombrou o expressionismo, quando o homem finalmente se percebe visado e representado como objeto pelo mundo, inversão cognitiva e perceptiva que nubla- borra- de cacofonias a evidência cristalina do mundo capitalista: exéquias do sujeito, cauterização do mundo.

A "coisa” ( que não é das ding) é agora, naturalmente , o cérebro-máquina, o autômato espiritual elevado à condição de autônomo cibernético, o computador. Mas a “coisidade” habita também- como sempre em Fassbinder- estas grandes e soturnas bonecas maneiristas, veladas de rouge à lèvres e submersas num torpor vegetativo, de que Martha- a esquizo e espectral boneca sado-masoquista- constitui uma espécie de transcendental. Em Welt, é o homem de negócios quem é perseguido e castrado: eficiente e fatalista, paranóico e diligente, um fruto bem polido do Milagre econômico e da má consciência que o Milagre recalcou- criei este monstro e ele me recria? ; como o senhor Amok, é um monstro que nos espreita entre o café e a chacina, o escritório e o manicômio, a meio caminho. Aqui como ali jamais aspiramos a uma impossível síntese, permanecemos estilhaçados e à bout de souffle: a esquizofrenia é o preço a se pagar pelo establishment. Aqui- ao contrário do senhor Amok, e como em toda a obra de Fassbinder-, o estigma do ser coisa se encarna na mulher, a marionete de cristal, a spinto de kammerspiel, a Puta babilônica do Wirtschaftswunder, que trafica influências e máscaras como o nazista traficou cadáveres e Adenauer marcos. Este demônio- que Margit Cartensen representou como ninguém, faux-raccord materializado no estrabismo esnobemente adunco do olhar- , torturado e expiado por Fassbinder toda a sua vida, aqui mostra sua face mais sub-reptícia e venal: as mulheres povoam os recantos do plano, deslizam por entre os interstícios dos tempos mortos, corroem e minam toda superfície - a superfície de macho civilizado, a superfície plana e catatônica da vitrine capitalista, a superfície da superfície nas panorâmicas ondulatórias e espiraladas do prestidigitador de fantasmas ; são as acólitas secretas da paranóia, as estafetas do iminente Apocalipse, que ronda...


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