segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

La piel


Almodóvar reencontra seu gênio fabulístico, mas como sempre erra a mão; se a referência é o Franju de Olhos sem face- e sobretudo Les nuits rouges, com seu feérico deslavado, semi-moribunda Paris laudate dominus feulliadiano- , a Almodóvar falta o que sobra ao ranzinza encantador de crianças com Alzheimer: o senso da litote; em Franju, a imagem fascina por ser um éclair entre o playground e o túmulo, o carrossel e o punhal; por estar cercada de buracos negros, que a tensionam e lapidam.Em Almodóvar, excesso de layers narrativos- retórica incrustada na já retórica estrutura do filme-, como por exemplo no jogo entre primeiro e segundo planos, no baile, para indicar expressamente- “demonstrativamente”, ei-lo- “que a menina tímida precisa entornar mais um drink para ficar com o rapaz por quem se interessou”. Se há uma coisa clara na minha cabeça, é que excesso de Logos- e narrativa é Logos, aposta na significação- arrisca matar a criança ( no caso, a imagem). A não ser que a narrativa sirva à imagem, como num jogo, em que Acaso e Necessidade dão-se as mãos, pra se trair na próxima esquina ( Rivette, Ferreri, Argento). A primeira meia hora de La piel que habito é magnífica: superficial e superfuida como o bisturi que desliza sobre palpitantes nervos, para mais adiante tropeçar numa veia aorta renitente, que vai obrigá-lo a roer e a trinchar -até que, extraviado pelo sangue e pelo músculo, o gélido vermezinho se veja submerso sob uma retórica hemoglobínica, que já não serve nem ao vampiro nem ao autopsista...


Nenhum comentário: