A flânerie adquiriu no Ocidente uma aura- a aura!-, um stimmung fenomenogógico espectralmente
utópico: nela e por ela, o modus vivendi funcionalista da “divisão
social do trabalho” capitalista era esterilizado: ao flertar com as vitrines e
os transeuntes, deslocamo-nos e divergimo-nos , mas não apenas no espaço;
diferimos, dessacralizamos o tempo que deveria ser destinado à produção, preenchido pelo modus operandi. Este diferir é
democrático- ou antes: qualquer, casual, brincante. Serve ao artista, à criança, à puta, ao serial killer ( não seriam
todos estes – antes da divisão social do trabalho, nosso vero vírus psicótico-
flâneurs?). É isto que nos sussurram estas circunvoluções suburbanas, estas
digressões inscritas sobre o cal e o concreto, estes mabusianos travellings
fantasmas, estes devires-derivas: por aqui passou ( foi) um serial killer de
nome, identidade... ao filme pouco importa, como a qualquer ente digno
de pronome: o seu espaço-tempo fantasma incrustou-se no espaço-tempo gregário e
laboral dos que se apropriam da rua como meio- trajetória, via expressa,
sarjeta- para fins que não lhes dizem respeito: gregários, laborais, quaisquer.
Os travellings trânsfugas, os zooms estrábicos, os faux-raccords zuretas de
Adachi tentam justamente inventariar este espaço ininventariável dos seres que
habitam a cavidade, a fresta, a réstia: crianças,
mendigos, mortos,anjos e serial killers. E não é a estes zumbis ontológicos, grafittis
do possível- nutridos com o sangue, o esperma e os pesadelos dos homens de bem
e de ponto- que se destina toda arte digna de memorabilia?
Nenhum comentário:
Postar um comentário