sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Kommunisten: O tempo que resta



O cinema de Straub e Huillet é um cinema de conversão; do verbo mediado dos escritores que “presentificam” ao verbo apofântico das origens, que nos dá a ver as coisas enquanto coisas: ventos, colinas, gestos, zumbido dos ventos e das abelhas participam desta festa do Verbo inaugural. Kommunisten acrescenta a esta experiência de manifestação in loco a experiência da montagem, que na história do cinema correspondeu a um outro Logos e  Nomos; aqui, as duas vertentes reúnem forças para a batalha de afirmação de uma soberania política e ontológica que teve como heróis não apenas o comunista do título ( inspirado em novela de Malraux) como Empédocles, os operários egípcios de Trop tôt, trop tard; o Franco Fortini do Cani dei Sinai; a comunidade “por-vir” da cooperativa de Operai contadini; e a estátua de terracota telúrica que interpreta Huillet em Pecado negro, que ao final do filme subitamente adquire presença encarnada ( ou seja: ainda Verbo) e conclama a todos os outros: Neue Welt.

A montagem é o lugar de um congraçamento, a cristalização de uma velha nova História, a clareira onde os heróis e os semideuses do Mito e da História ( História, Mito, estaremos sempre neste carrefour, de cá para lá) se reconhecem num venerável espelho: Jean-Pierre Vernant nos diz em seus estudos sobre o fantasma, o cadáver e o divino na Grécia antiga que havia na entrada de um templo de Diana um espelho baço, no qual um rosto de devoto se reconhecia vacilantemente; era o rosto do Deus, inacessível na profundidade de campo “castrada” da superfície impolida, que dava sentido a tudo. Um espelho de rigor anti-subjetivista, um Logos que celebra a negação enquanto tal ( todas as comemorações aqui encenadas carregam o estigma da repressão, do Oblivium histórico, do massacre), uma poética na qual a épica é “remontada” pela elegia e pervertida em seus propósitos metafísicos de fundação; o cinema de Straub e Huillet celebra e resiste, mas sem nunca abdicar deste sal ático do negativo, que empresta a esta orquestração cadenciada entre um Bildungsroman mítico e uma égloga historicista ( aqui, os signos, os códigos, os agentes  são invertidos e confundidos com rigoroso método de enxadrista) um sopro trágico de coups de dés divino: mas o que seria do divino sem a palavra do homem, como do homem sem os lances do Divino? O cinema de montagem aqui não se opõe ao “plano sequência e locação”; ele reconcilia, mas num outro plano, o plano do “plano túmulo” de que falava Daney; sem a Morte, o desastre, a perda de si-mesmo, nunca seremos nem diremos nada: o tempo da significação é o tempo que resta. Aquele, porém, que sobreviver às duras provas da História e do Mito receberá o dom de ser, de dizer e de reunir- e presente maior haverá?



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