quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ressurreições




Borzage também filmou uma ressurreição, e belamente. Mas a verticalidade do morto em Ordet é um desafio da frontalidade - circunspecção, cerimonial, rito, Requiescat in pace- ao gregarismo horizontal das pessoas que desfilam pelo quarto: contra a mortalidade iconizada do plano frontal, a percussiva cadência da panorâmica em Dreyer, que a princípio recorta cada personagem em seu espaço-tempo específico para em seguida integrá-los à diapasão de um devir reconciliado- o plano, berço e túmulo dos mortais que nele são entrincheirados e acalentados-, o Múltiplo do Uno. Em Borzage, tudo é vertical, mas num sentido radicalmente contrário ao plano sarcófago de Dreyer: violação epifânica, excitação exógena do corpo morto que se redescobre erótico, histeria. O vampirismo da ressurreição em Dreyer aqui se mostra irradiação pulsional, féerie, Merry-go-round de quarto e sala, literalmente um jorro de tensão erótica que ascende ( a corrida pelas escadarias, vista em plongé) em direção ao êxtase. Um surplus de Eros nascido das cinzas da agonia.

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