quarta-feira, 24 de novembro de 2010

... Estranho processo o de assistir a filmes nestes tempos: entre trechos de O sangue, de Pedro Costa ( no dvd), me alterno aqui vendo dois Pierre Léon- Li per Li e Le dieu Mozart 2 -, e passei “vista d’olhos” ( bonita e desusada expressão) por Quadrille de Guitry e um curta de Griffith para a Biograph. Ver filmes hoje já é uma operação crítica, porque implica um potencial de montagem; e montagem é, por princípio, a forma através da qual o pensamento- ao menos o pensamento representativo ocidental- se estrutura: linkar, relacionar, articular.

Perdemos a inocência, eis a lição maneirista; mas agora perdemos a inocência da inocência, pois ver um filme é desde sempre ser tomado e retomado por centenas de outros filmes e mediações; não propriamente mais uma experiência no sentido clássico, mas uma síntese esquizo e a posteriori, pois o trabalho ainda só se dá retrospectivamente, como na experiência clássica, mas segundo um devir diacrônico, irregular, ora atropelado ora retardado... recortes de recortes, perceptivos e cognitivos, pois um dado importante nisto é o caráter de collage adquirido pelo próprio tempo: ninguém vê mais um filme do início ao fim, ou do fim ao início- o arché e o telos perderam todo o prestígio. Ninguém tem mais um início e um fim, ninguém mais reencontra ao final do filme o seu início, e nele se reencontra.

...Mas algo me diz que é preciso assumir este caleidoscópio quântico de estímulos sim, mas com a sobranceria e altivez de um velho estóico grego, do cimo de uma colina verdejante... ui! sob o risco da jouissance cinematográfica passar a não se distinguir em nada dos sobressaltos mecânicos e espasmos eletrodinâmicos de um Sonic the Hedgehog... o autômato espiritual.

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