sábado, 4 de junho de 2011

Belle Notas



Visto Belle toujours. É curioso como o cinema de Oliveira nos leva a prestar uma atenção enorme ao plano- a vasculhá-lo- em busca de uma resposta, um deciframento: mas afinal, o que se esconde ali? qual o mistério destas estátuas que nos devolvem o olhar, destas intrigas sem desenlace, destes contracampos sem campo? Estas superfícies que seu cinema inspeciona tão ciosa e circunspectamente esconderão alguma história? ocultarão alguma profundidade? serão a alegoria - a parábola, uma paráfrase- de algum estranho e infinitesimal mundo que ao olho humano é interditado penetrar?
Não há nada. Nada "por trás", nada além, nada de profundo; tudo é rigorosamente superficial, precisa e hieraticamente relativo, escorreito e brilhante como estas fábulas moralistas do século 17 que parecem tê-lo marcado tão intensamente. O mistério é este: que nada possui um mistério. O que confunde e fascina é isto: que é. Sem mais. E no entanto, o olho humano não pode se furtar a imaginar profundidades, a suspeitar devires, a entrever sentidos, supra- extra-ordinários. Bicho simbólico, coitado, destinado a desvelar essências, a fuçar associações, a perversamente imprimir à Natureza o selo da cultura, a "castrá-la" ( representação). É deste jogo que vive o seu cinema: do simbólico e da presença, da mise en scène e da manifestação, da superfície gloriosa do percebido e da profundidade insondável do imaginado. De alguma forma, todo grande cinema moderno- Rouch, Straub, Rivette, Fassbinder- trata deste jogo.
Pois é um cinema que trata de cinema, esta arte perversa que se serve das coisas "presentes, manifestas", para engendrar artifício, para sugerir o oculto e o insondável ( inexistentes); e de artifício ( teatro, teatro, teatro) para nos lançar abissalmente num mundo de superfícies espelhadas, que já não espelham nada. ( Daney: Oliveira é um grande cenógrafo).

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