segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cron-Char

Rever Scanners me levou a Marcas da violência; só para catucar “porque gosto bem menos do Cronenberg maduro que do adolescente”. Creio ter achado a resposta: excesso de pitoresco (Maria Belo vestida de fetiche-menininha para seduzir o marido, uma certa ênfase na caricatura/caracterização, “tipos”). Daniel Arasse nos conta que quando Chardin começou a expor aturdiu seus contemporâneos; porque Chardin, ao contrário de Greuze, não pintava o pitoresco: cenas de família, idiossincracias, tal falha de caráter, tal cacoete servidos e expressos pelo chiaroscuro do leito. Chardin pintava “o pintar”. Em seus quadros, não aparecia o tema, mas a pintura. Daí a preeminência da natureza-morta.

Um bule pintado por Chardin não era um bule que me sugeria o chá, a mesa posta, o mood da cena e meu prazer “em estar nela”. Um bule pintado por Chardin é “um bule pintado”: o que lhe importa é a textura, a forma, o nacarado do ser bule. O que o bule perdia em verossimilhança e expressão ganhava em presença: O ser bule presente. Não um bule novelesco, pitoresco- eu e minha mulher tomando o primeiro chá pós-segundo aborto da primavera; mas um bule figura, bule-forma-versus-textura-versus-enquadramento-versus-rugosidade-trompe l’oeil do bule presença. Cronenberg seguiu o caminho contrário ao de Chardin; em sua fase pregressa, o esqueleto de seu découpage autópsia- onde apenas assomavam (e nos afrontavam), em primeiríssimo plano-arena, os corpos, onde as forças digladiavam. E não foi para isto que o grande cinema nasceu?- para filmar corpos, tablados energéticos onde os deuses se emasculam? O interesse nos corpos persiste, o découpage quase estruturalista ainda nos adstringe o ar, com seu sumo de argila temperada com corticóide - mas tudo soterrado sob “l’azione debole” do pitoresco, o famoso fru-fru. Ai....

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