quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Othon: Notas


Visto Othon pela primeira vez ( em casa) e... filme punk.


1. Um découpage lingüístico sob o découpage- já em si violentíssimo, cheio de zooms e faux-raccords vertiginosos. Na língua - línguas, em vários sotaques e entonações- falada pelos atores, a sensação de ser um daqueles escravos da Antiguidade, acorrentados a uma fila. A paisagem vai passando, mas o sujeito não tem tempo de contemplar, perceber, ser ( por que o sujeito à época ainda não tinha nascido? E hoje- 1969- já havia morrido?). O escravo ( eu!) é empurrado, espojado, atropelado pela massa de circunstantes- e de sintagmas. Num huis clos espectral ( pois projetado pela linguagem), Straub instaura uma arena. Como em Shakespeare, o horror “é” o fora de campo- a História devastadora, o sangue derramado e o fel sob cada verso-, e só percebemos seu cortejo de sombras, em três quartos de perfil e bronze fúnebre.

2. No início e no fim de cada plano, este assombroso- assombrado- látego mítico: o vazio e a Morte, plano desmesuradamente inerte e inerme, infestado de mortos até a boca. Huillet sempre deu um “tempo a mais”, muito além do funcional, à Natureza ( ao seu abismo mítico) nos filmes- vide o diálogo de Édipo e Tirédias nas Nuvens-, mas aqui ela extrapola: é a Morte que nos contempla.


3. O dito classicismo francês de “clássico” nunca teve nada; sobretudo Corneille e Racine parecem autores do barroco Século de Ouro. Palavra sufocante, encadeamento de arabescos que submerge sob seu lancinante cortejo de aves de rapina o pobre orador (seu ethos, seu fôlego). Se os atores aqui falam como se fizessem cooper, é para dar uma última pá de cal nas duas figuras do Logos, o emissário e o destinatário, e deixar apenas o Onimoso ressoar: não se ouve nem se entende nada ( pelo menos não o fim de uma terceira visão), e nesta justa e caduca medida somos afetados: caixas de ressonância fantasma de uma palavra falada pelos mortos e destinada aos mortos, pretéritos e pósteros, jamais “presentes” ( o que dá um acre sabor de ironia ao hieratismo manchado de salitre dos atores-monumentos de Straub; são monumentos, mas fúnebres, infiltrados de quistos decassilábicos por todos os lados).


Punk, punk. Tão violento quanto um The crazies, e talvez com usos não muito distantes.


Tem no Surreal moviez o dvd completo para baixar.

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