Féerie e terrorismo sempre foi um patrimônio francês: Lautréaumont,
Rimbaud, Le sang d'un poète ( Cocteau), todo o surrealismo, o Buñuel dos
primeiros filmes, Feuillade, O testamento do doutor Cordlier ( Renoir), Pierrot
le fou, Change pas de main ( Vecchiali), Les nuits rouges ( Edith Scob!), Grenouilles
de Arrieta, e claro Carax... Holy é a consequência lógica desta implicação
surrealista tenebrosa: representar é um ato abissal e selvagem, que consiste em
violar as superfícies do Logos e do Ethos e deixar emergir à flor da imagem o
fantasma de que esta se nutre... Temos um filme sobre performance(s)? não
apenas. Ou antes: filme sobre a performance como um ato terrorista que consiste
em transformar o corpo organismo numa máquina, plástica e energética, de
possessão demoníaca pelo Outro(s). A operação de guerra consiste antes de tudo
em estratégia mediúnica de possessão; mas para que esta infiltração do Mesmo
pelo Outro se dê, é necessária uma prévia e correlata operação de despossessão
de si: o milionário vai assumindo todos os personagens à margem dele ou contra
ele, os que o ameaçam ou o desmascaram: o traficante, o músico flanêur, o mendigo,
o monstro do Ça, Cordelier...ele se acumplicia com o que prepara a sua destruição
( a nossa revolução?); não à toa, as mortes que Oscar vai sofrendo ao longo do
filme... Neste corpo frágil e alquebrado – poroso à abertura , figurativa e
dramática, ao circuito de personas- , o terror aparece sob o regime da
metamorfose ( os tantos corpos , imagens e dispositivos que Holy nos dá a ver,
reinventando o pós-moderno por um discípulo de Cocteau). Travestir-se em Outro,
ser um xamã de presenças: esta é nossa arma e nossa maldição; a arma “mimética”
de que dispomos para um tempo que nos exclui, a maldição que nos conclama a transformar
o opróbio do capitalismo tardio em festejo de desterritorialização e- em um
mesmo diapasão e movimento- crepuscular ocaso do Si Mesmo. Si, Orfeu; no
pasarán.