sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Holy motors




Féerie e terrorismo sempre foi um patrimônio francês: Lautréaumont, Rimbaud, Le sang d'un poète ( Cocteau), todo o surrealismo, o Buñuel dos primeiros filmes, Feuillade, O testamento do doutor Cordlier ( Renoir), Pierrot le fou, Change pas de main ( Vecchiali), Les nuits rouges ( Edith Scob!), Grenouilles de Arrieta, e claro Carax... Holy é a consequência lógica desta implicação surrealista tenebrosa: representar é um ato abissal e selvagem, que consiste em violar as superfícies do Logos e do Ethos e deixar emergir à flor da imagem o fantasma de que esta se nutre... Temos um filme sobre performance(s)? não apenas. Ou antes: filme sobre a performance como um ato terrorista que consiste em transformar o corpo organismo numa máquina, plástica e energética, de possessão demoníaca pelo Outro(s). A operação de guerra consiste antes de tudo em estratégia mediúnica de possessão; mas para que esta infiltração do Mesmo pelo Outro se dê, é necessária uma prévia e correlata operação de despossessão de si: o milionário vai assumindo todos os personagens à margem dele ou contra ele, os que o ameaçam ou o desmascaram: o traficante, o músico flanêur, o mendigo, o monstro do Ça, Cordelier...ele se acumplicia com o que prepara a sua destruição ( a nossa revolução?); não à toa, as mortes que Oscar vai sofrendo ao longo do filme... Neste corpo frágil e alquebrado – poroso à abertura , figurativa e dramática, ao circuito de personas- , o terror aparece sob o regime da metamorfose ( os tantos corpos , imagens e dispositivos que Holy nos dá a ver, reinventando o pós-moderno por um discípulo de Cocteau). Travestir-se em Outro, ser um xamã de presenças: esta é nossa arma e nossa maldição; a arma “mimética” de que dispomos para um tempo que nos exclui, a maldição que nos conclama a transformar o opróbio do capitalismo tardio em festejo de desterritorialização e- em um mesmo diapasão e movimento- crepuscular ocaso do Si Mesmo. Si, Orfeu; no pasarán.