terça-feira, 31 de maio de 2011

O idiota

http://www.youtube.com/watch?v=fj9IwO7U5Iw&feature=related



Revendo este filme único... Kurosawa filma o infilmável: a morte de um asceta, uma figura crística que se oculta sob a máscara da epilepsia. O momento de absoluta contrição e unção, huis clos com o Infinito; o momento em que a criatura retoma a Unio mística com o Divino. Coisa impossível de se presentificar no cinema, arte materialista... mas está lá. Deve durar 20, 22 minutos, o tempo de um aneurisma se exaurir, um anjo se exilar no crepúsculo. Está lá, lavrado no nitrato: vale por tudo o que não vivemos nem viveremos.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

terça-feira, 24 de maio de 2011

Novo


O capitão ( o segundo, Bale) diz da Pocahontas pela qual está apaixonado em Novo mundo: ela une todas as coisas... operação inversamente proporcional à do impressionista Malick, que vai esgarçando todas as coisas, dilapidando a grande História – a épica- em pequenas e tamisadas histórias, entre fábula e diário, romance de formação ( do desbravador ao adorador panteísta, do bibelot panteísta à cortesã emoldurada num portrait), balada crepuscular...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Clash


Olha, eu já achava Clash by night um filme fodaço de Lang. Mas revendo agora, vejo que simplesmente é muito melhor que seu experimento barroco, O segredo da porta fechada, que não consegue se libertar da aura caligárica; aqui, tudo é geometrizado, cadenciado pela linha diagonal e pela plongé perimetral; mas são os olhos de um epicurista ( os tarados do Mediterrâneo, digamos) que contemplam este mundo mineralizado, estigmatizado pelo sal, pelo sol e pela pedra, os anátemas da culpa.

Tudo é precisamente traduzido- arquiteturalmente, à la Lang- neste paradoxo glorioso: as tensões e recalques tenessee wiliamsianas dos personagens, o lado negro da força, são mostrados à luz do sol e da carraspana, da foda e do piquenique. É o contraste entre esta paisagem de cartão-postal e o huis-clos demoníaco dos personagens que garante ao filme o fôlego amplo e caricioso que ataca a gente depois das experiências limítrofes, o orgasmo ou a bebedeira. Respiramos leves e nulos, plenos. Mas sabemos que aquele instante epicurista de saciedade de nós mesmos é o limiar de uma negatividade absoluta: o começo do fim, do Nihil; a porta de entrada da aniquilação.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

... e o imperdível livro do Raymond Durgnat sobre Jean Renoir.

Anémone do Garrel em cópia boazinha no Karagarga. Bom programa duplo com Les ombres do Brisseau: pastéis, piparotes geracionais de câmara, contracampo em surdina e tatibitati, le jour de gloire n'arrivera jamais!

O fantasma feito carne

http://www.youtube.com/watch?v=vC-zkksO-zc



Se o Guerin de Trem de sombras tenta uma fusão impossível entre o estrutural e o romanesco (enlutado), Ken Jacobs em Tom Tom reinveste a estrutura com um “carnaval sináptico e rizomático” não muito distante da heterogenia do corpo grotesco que Bakhtin viu em Grangântua: um plano de conjunto de um vaudeville perdido na noite vitoriana da má-consciência ( o curta da Biograph que o filme digere) aqui se desfibra em mil e um quistos- humorísticos, eróticos, paranóicos, mas sobretudo cíclicos - que vão fecundando/desenraizando/ulcerando o esquálido corpo da Película-mãe com estes fetos monstruosos- o cartoon televisivo, a chanchada em faux-raccord ( Acossado e Kluge), o péplum jansenista ( L’argent) , as Naturezas-mortas esquizo, em Duras-, que não largam a carcaça da bruxa ...

Necrofilia edipiana de primeira grandeza.

domingo, 15 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Dois e meio

História imortal, festim de Ivã, o Terrível: Dois delírios megalômanos miniaturizados em cromos encarnados; duas polifônicas câmaras de rimas- espelhos, duplos, raccords “estrábicos”- repercutidas ad infinitum numa galeria que, como o jardim borgeano de caminhos que se bifurcam, refratam um Uno e múltiplo pesadelo de ópio, demiúrgica gnose do Mesmo: um cosmo por refletir à minha imagem e semelhança ( Moscou, 1570), um filho por engendrar e emoldurar, à nossa "errata" Miserere.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O poço e o pêndulo, Astruc


Astruc é a quintessência de uma nouvelle vague secreta, herdeira da educação sentimental e da novela moralista do século 18, pessimista e ancien régime; este conto gélido e claustrofóbico sobre o martírio de uma vítima da Inquisição espanhola, envilecido por arabescos decadentistas de câmera, sutura a pompa mercurial do Bava de La frusta e il corpo com a rarefação rocambolesca das Danças da Morte de Ophüls: há um "novo velho cinema" francês aí que definitivamente deve mais ao caligrafismo italiano do que à Graça encarnada rosselliniana ou à empreinte emanentista dos performers pé de boi de Rouch; e , evidentemente, já flerta com o telefilme ( la tv c'est le direct).

terça-feira, 3 de maio de 2011

Combat

Combat d’amour en songe é um Ruiz que abusa da síndrome de “intoxicação de pitoresco” de que sofre o autor; é um ensaio leibiniziano- leia-se: da compossibilidade dos mundos: sonho, mito, filtro, féerie, charada, páft!,puft!- em forma de bula sobre a esquizofrenia das nossas cápsulas de Internet, que finalmente fizeram coincidir num único espaço-tempo o que a metafísica aliterou entre dimensões paralelas do ser: o atual, o virtual, o potencial. Piada deliciosa sobre ser adolescente no século 21.