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1929-2010
Tudo em Monteiro, como em Lautréamont, nasce da pulsão. A metamorfose, o princípio plástico e ontológico de seu cinema, é carnívora: transformar-se num Outro é digerir e assimilar-lhe a Persona- trocar de máscara-, e assim centuplicar a própria força; é instilar no predador a centelha do divino, como na mística de certas tribos canibais: Devoro-te ou decifra-me. Uma espécie de féerie do demoníaco: a única transfiguração possível a um herdeiro de Stroheim e Buñuel.
Revendo a pérola Lírio partido, pensando em Lang, Tourneur e na posteridade do que nas origens se avizinha do fim...Um maëlstrom de fúria que se abate sobre um cubículo, um titã sobre um lírio... Concentracionismo do melodrama vitoriano: posições e oposições do opressor – no centro do quadro, ou à direita- e do oprimido, abaixo do quadro ou recostado contra seus limites, geralmente à esquerda: esmagado ou entrincheirado. Toda uma ontologia e deontologia ligadas à superfície material do plano, este campo randômico de forças que se encarniçam em ocupar o centro do quadro, e neste ( por este) o podium da arena; expansão irrefreável da força, centrífuga e centrípeta irrupção da Morte, rajada de Nihil que propulsiona a criatura para os limites indevassavelmente recuados do fora de quadro, reserva da memória e da imaginação, onde ainda podemos retê-las, resguardá-las, mas apenas in memoriam, trop tôt, trop tard, o tempo de um contracampo- que aliás não vem, nem virá nunca, pois já não há a quem cor-responder ou contemplar.