Rever Shadows me atiça a
pulga que desde sempre cultivei sob o lóbulo esquerdo. Cassavetes como o grande
diretor que me interessa começa com Mulher sob influência, e compreende basicamente a
"quatrilogia" da performance, com este, Killing, Opening night e
Amantes. Nestes filmes, Cassavetes radicaliza a lição de Rouch ( e por que não
de Renoir?): leva a performance ( o ser aparência, o encarnar-se-encenar-se
aparência) aos quatro cantos da cena, quebrando quarta parede, copa e cozinha-
mas com uma nonchalance, uma cirúrgica precisão irônica, uma paixão esquizo que
o coloca muito à frente da démarche intelectualista dos "performers"
de um grupo Zanzibar, por exemplo. Aqui, vida e cena são indistinguíveis- e
tire daí as implicações políticas, psicológicas e sociológicas que quiser
também, só que isto não é o principal.
Mas há trechos em Shadows –
centrados na inestimável figura de Ben Carruthers e sua gang de grotowskianos
beira de calçada, sobretudo aquela briga final- que claramente colocam o filme
como um condensado- summa da melhor parte de sua carreira, em estado de
latência ( ma non troppo). Em Cassavetes ( como em Rouch), é o corpo o centro,
a cena, o palco; tudo é por ele deflagrado. Plano-sequência é o único modo de
tornar visível esta coalescência entre corpo e mundo- plano e cena. O meio apenas o irradia ou ressoa; em seus melhores filmes,
o “meio” vai restringindo-se consideravelmente ( uma casa habitada por uma
deusa pática em Woman, um club streapper-mausoléu em Killing, um teatro assombrado
em Opening). Tudo se concentra e se descentra absolutamente neste cadinho
transfigurado pelas imagens e energias que o corpo emana. Em Shadows, o espaço
é mais rarefeito, dialogal: a cidade ainda pulsa pelos interstícios do gesto, e divide com o corpo o privilégio da cena.
Cassavetes começa paranóico e vai progressiva e sacramente abraçando o esquizo,
a indistinção entre voz e escuta, corpo e
alma, Logos e cu. Se o corpo ainda trafegava pelo mundo e levava um lero
com ele, agora o mundo vai se corporificando ( possuindo? possessão?), se
encarnando no espaço carceral e Outro do corpo, entre a axila e a aurora em Ursa Maior.
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