quinta-feira, 1 de março de 2012

O Tigre e o comichão


... não por acaso revendo O tigre de Bengala e... na minha cabeça, o filme era hierático e vertical. Apenas. Mas no interstício deste campo e contracampo que celebra as aparências “ao fixá-las como ícones”- ou seja, matando-as-, há um jogo, tão sinuoso quanto as panorâmicas de Buñuel, entre os corpos e o espaço- os corpos entre os espaços, as distâncias e as proximidades, as oclusões e as expansões; e do espaço enfim visado como um corpo entre outros, fluido e poroso. Pergunto-me se o ponto de vista que nos proporciona este espetáculo osmótico de transições e trocas não seria o de uma ziguezagueante serpente, encerrada entre as brechas do templo. Retomando o paralelo com Buñuel: o que se convenciona determinar como clássico- “claro e distinto”, retilíneo e conseqüente como uma hipótese cartesiana, e faço aí muita injustiça a Descartes, homenzinho sumamente esquisito que antecipou Becket, Francis Bacon e Deleuze com seus corpos muito particulares- é aí “pervertido” pela indicação, nas frestas da mise en scène petrificada, do trabalho do tempo- ou do tempo como um “trabalhar”-, que esboroa tudo, inclusive os defuntos valores (e imagens) que o filme parece esposar. Se a serpenteante pan de Buñuel é o caminho oblíquo e sibilante da pulsão, aqui a câmera se torna o avatar do demoníaco- canção de Gesta envenenada destas forças que jazem sob nós, nutrem-nos, masturbam-nos para, num coup de théatre fatal e certeiro, bela noite cariciosamente nos devorarem. Algum alemão maluco chamou a Morte desta “inflexão curvilínea de volta ao útero”. É, o Fim reencontra o Príncípio. E o Princípio já era o Fim. No fundo, são a Mesma e Outra, opalescente e nacarada, cantiga de Nada que acalanta nossos caríssimos demônios- livros e degolas, sonatinas e arquejos, Fúrias e serafins, Madoninas ebúrneas e vamps marmóreas. Esta barcarola – Liebestod encarnado num gesto e num sexo- eu escuto aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=cev78glZiKg


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