terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O estranho que nós amamos, Siegel


O estranho que nós amamos é um filme de horror- como todo filme sobre recalque, aliás; do Nascimento de uma nação a Elefante, do Abismos de pasión a La frusta e il corpo, de Nosferatu a Notre nazi. Tem dedo de Buñuel ali ( a descoberta do corpo do Eastwood pela menina, cena foda) , mas com clarões expressionistas!, o que é impensável em Buñuel. E um monte de ponto de vista estranho –por exemplo o de uma bunda ( a da mocinha na hora em que transa com Eastwood e são “descobertos” pela convenção das bruxas). Ou seja: o filme é um condensado energético de fantasmas e desejos alienígenas - canibais, hardcore, Bacantes estraçalhando um Dionísios “republicano”- infiltrados naquela foto diáfana, naquela luz à la Whitman e naquele lusco-fusco ritualístico à la Harriet Beecher Stowe. Eles “nos espreitam” na brecha do ponto de vista e dos fondus.
É como se Fulci tivesse se mudado para o Tennessee e virado pastor quaker, mas a coisa, como em todo conto de fadas, deve recobrir horrores que não ousam dizer o nome, então tem de aparecer o mais bonitinho e “claro dia de verão” possível para vir à luz, para ser tolerada pelo olhar de Apolo ( consciência). Algo que Freud chamou de Umheimlich, e que dá um colorido imprevisto às coisas mais banais- elas nos aparecem como venais e demoníacas, como Outras. Essa ambigüidade está preservada em Beguiled- pastoral e cromo gótico, crianças correndo pela relva ontonal e incestos lavrados num daguerreótipo; e uma Mãe-pai que é ao mesmo tempo um esteio ético- dever e trabalho- para aquele tipo de mentalidade e uma Mater Tennebrarum. Muito do tétrico do filme vem dessa dualidade, deste fantasma embalsamado na infância, apodrecendo no fundo do baú no fundo de uma boneca gasta de esmalte no fundo de seus olhos perfurados de unha de gato e dente de leite.


ps: É também um filme perverso sobre a guerra, a que se trava dentro de nós ( a única?): a guerra do recalque. Combate que consiste na estratégia de liquidação, metódica e calculista, do Desejo. As mulheres daquela Casa de Bernarda e Alba sulina estavam tão destroçadas pela “guerra” quanto o soldado yankee; porque são sobreviventes, ou seja: monstros. “O sobrevivente é aquele que mata o Outro dentro de si. Portanto, está morto também. É um zumbi” ( Serge Daney).

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