O primeiro cinema de Arrieta
capturou ( presentificou) as fantasmagorias da infância e imprimiu-as na
superfície empreinte de verité do plano,
que a tudo retém, consagra, fixa. O arquétipo desta primeira operação de
conversão do invisível no trop visible
do plano de cinema era o Anjo. Mas com Flammes já estamos na adolescência, e o
fantasma é francamente erótico: um bombeiro, cuja função é justamente “matar o
fogo” da jovem ( e poucas vezes a apalavra e a coisa serviram reciprocamente ao
literal e ao simbólico sem perder, respectivamente, em pujança pulsional e
força de analogia). Mas sabemos , desde Sade até Lacan, que o Desejo é um
fantasma- ou seja: nada de determinado, de este ou aquele, etc; conjuga-se,
portanto, infinitivamente ( talvez seja a única força infinita que habita o
homem); portanto, como não é isto nem aquilo, ele pega, compartilha-se,
transmite-se: o jovem americano tinha um demoníaco fascínio pelo fogo, até o
fogo consumir toda a família num incêndio; a amiga de Caroline passa a sofrer
de flatus vocis, e acorda nos braços de outro
bombeiro: o fantasma erótico da jovem “contaminou” a todos os outros. O Desejo
não é coisa – ousia, substância-, e sim energia: invisível, habita em tudo,
décors e Natura inclusive. A maior parte do filme os personagens escrutam,
espreitam, auscultam a iminência de sua chegada, e isto dá aos planos uma aura de suntuosos
monólogos mediúnicos: é sempre no interstício entre a presciência do que virá e
a sua chegada que o personagem se posta; e Arrieta não precisa sequer indicar
literalmente este caráter intersticial do décor, situando-os em limiares, atrás
de portas, antecâmaras. Não: o plano já está de tal forma imbuído de energia,
de stimmung, de teluricidade que
basta deixá-lo lá, à espreita; convertidos em bons entomologistas, contentamo-nos
em dedicar toda a nossa ansiosa atenção a discernir a chegada do Desejo, deus
que desta feita dispensou a metamorfose animal e preferiu a modesta máscara lumpen do bombeiro.
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