sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Dovzhenko


Revendo a extraordinária filmografia de Dovzhenko- Poema do mar, Shchors, Arsenal, Aerograd, Michurin, Ivan... uma conexão: iconografia e ritualismo. A Revolução é um evento que se presta à conglomeração de várias construções rituais: religiosas ( idolatria ideológica do povo), mise en scéne topográfica militar, ascese mítica... Aerograd, Terra, Shchors... mas também o mito das origens, da appartenance romântico à Terra ( a Mãe Rússia) ; e por meio deste raccord atávico e tribalista, acena-nos a velha Reconciliação, mas desfocada: dislexia do faux-raccord, acenando para mundos possíveis, dimensões outras, mas seqüenciais. A temas potencialmente reacionários, Dovjenko inflinge a crítica das formas: planos que a rigor não se encadeiam segundo uma lógica de correspondência ( atenuação do contracampo como polemos, sinergia dialética), mas da manifestação; parataxe que antecipa/ gesta Straub, Oliveira: planos disjuntos, diagonais e helicoidais que os tornam ainda mais antitéticos, ou antes: irredutíveis uns aos outros, autistas. Grandes demais ( os planos médios e gerais, a pequena encenação dos personagens versus a grande encenação da cultura, país por construir ou mito por gerar) ou pequenos demais ( planos de detalhes que escavam os corpos, desvelam uma profundidade feita de superfícies, as superfícies da superfície) para caber numa cadeia sintagmática causal, narrativa ou dedutiva. Neles, incrustam-se as idiossincracias posturais, gestuais, pantomímicas dos personagens, concebidos como tipos: há uma tipologia fisionômica e figurativa em Dovzhenko que reaproveita os esquemas behavoristas do final do século 19, mas num registro lírico e numa Gestalt mítica; estrutura narrativa (?) episódica ( vinhetas); digressões, digressões, digressões, como em Ford e Barnet, com o qual tem em comum um humor de slapstick e uma orquestração trágico-musical: movimentos de um drama que delineia um stacatto circular e percussivo, entre a crônica rapsódica e o Dies Irae operístico.


ps: anotar filmes cuja possibilidade de descrição e/ou análise é bem problemática, senão impossível: Aerograd, La nuit du carrefour, Le jouet criminel, Retrato de Jason, Central Bazaar...

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