Acho que não postei por aqui, mas tinha traduzido para o Dicionários um texto do Lourcelles sobre Verdoux, e agora do Biette sobre Renoir, "a pretexto" do Monsieur Lange. Vão agora os dois links.
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/12/o-crime-do-senhor-lange-de-jean-renoir.html
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/11/monsieur-verdoux.html
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Holy motors
Féerie e terrorismo sempre foi um patrimônio francês: Lautréaumont,
Rimbaud, Le sang d'un poète ( Cocteau), todo o surrealismo, o Buñuel dos
primeiros filmes, Feuillade, O testamento do doutor Cordlier ( Renoir), Pierrot
le fou, Change pas de main ( Vecchiali), Les nuits rouges ( Edith Scob!), Grenouilles
de Arrieta, e claro Carax... Holy é a consequência lógica desta implicação
surrealista tenebrosa: representar é um ato abissal e selvagem, que consiste em
violar as superfícies do Logos e do Ethos e deixar emergir à flor da imagem o
fantasma de que esta se nutre... Temos um filme sobre performance(s)? não
apenas. Ou antes: filme sobre a performance como um ato terrorista que consiste
em transformar o corpo organismo numa máquina, plástica e energética, de
possessão demoníaca pelo Outro(s). A operação de guerra consiste antes de tudo
em estratégia mediúnica de possessão; mas para que esta infiltração do Mesmo
pelo Outro se dê, é necessária uma prévia e correlata operação de despossessão
de si: o milionário vai assumindo todos os personagens à margem dele ou contra
ele, os que o ameaçam ou o desmascaram: o traficante, o músico flanêur, o mendigo,
o monstro do Ça, Cordelier...ele se acumplicia com o que prepara a sua destruição
( a nossa revolução?); não à toa, as mortes que Oscar vai sofrendo ao longo do
filme... Neste corpo frágil e alquebrado – poroso à abertura , figurativa e
dramática, ao circuito de personas- , o terror aparece sob o regime da
metamorfose ( os tantos corpos , imagens e dispositivos que Holy nos dá a ver,
reinventando o pós-moderno por um discípulo de Cocteau). Travestir-se em Outro,
ser um xamã de presenças: esta é nossa arma e nossa maldição; a arma “mimética”
de que dispomos para um tempo que nos exclui, a maldição que nos conclama a transformar
o opróbio do capitalismo tardio em festejo de desterritorialização e- em um
mesmo diapasão e movimento- crepuscular ocaso do Si Mesmo. Si, Orfeu; no
pasarán.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Il giorno della vita, Alessandro Blasetti
Questão
que sempre me intrigou: do status de um contracampo...em Fassbinder,
os contracampos são sempre muito distantes, mensurando a alienação
dos personagens ( de uns para os outros e deles para o décor):
uma radicalmente nova perspectiva sobre o mundo se abre; da sarjeta
ao bureau de almoxarife , da chaise-longue de Guermantes à
prisão de Notre dame des fleurs ( perversão sub-reptícia
inter-planos: estariam tão distantes assim?)...nos clássicos, é
quase sempre uma straigt line, que confronta ( antes: designa)
as distâncias e as iminências, as arenas pupilares, e posterga (
sublima, ratifica, difere) o confronto propriamente: Noblesse
oblige. No cinema primitivo, é choque frontal ( Lourcelles):
proscênio contra ribalta.
Nesta
obra-prima de sournoise crueldade, o contracampo assinala
aquele espaço geralmente interdito no cinema de gênero: a clareira
da testemunha, ser alheio à saraivada comumente reservada ao
campo e contracampo, ente que habita fantasmagoricamente o fora de
campo , instância fundamentalmente temporal ( memória,
imaginário) que serve para estruturar nossa percepção contínua
de um filme, arte descontínua -découpada espacial e
temporalmente- por excelência...O filme narra a invasão de um
convento de monjas dominicanas por partigiani fugindo dos
alemães. Estas, por voto rigoroso consagradas à clausura, estão
impossibilitadas de encará-los face a face; mas uma reconhece num
dos partigiani o homem que matara seu marido, ex-oficial, e...
Talvez o fato de Blasetti centrar no espectador ( ou testemunha) o
efeito das ações do filme seja diegeticamente legitimado: a
clausura necessariamente infunde à forma do filme um pudor
suplementar, clássico-clássico, em que o olhar é baliza em surdina
– sismógrafo, trop tard de- da
experiência. Em que experienciar o evento é necessariamente chegar
tarde demais- é reservar à pupila, nicho de separação, de a
posteriori- sua sôfrega chaga.
Olhar é sempre chegar tarde demais, oras!
...mas
como estou pouco me lixando para diegeses e outros xaropes
narrativos, geralmente suportes para críticos medíocres, centro-me
na estratégia existencial- numinosamente- genial desta reserva,
desta “centralidade e frontalidade” ( norma clássica ,
academicamente aposta por Mourlet como regra tout court)-
centradas sobre a face do Outro. Pois é dele que se trata...não
necessariamente humano: a santa que balança e quase cai, imantada e
finalmente fulminada por forças que de transcendentes já nada tem (
a Guerra, a excitação sexual dos solados,o ressentimento do Madre).
Ou a kammerspiel
sequência na cave, quando do ataque dos alemães, em que blocos
tensos e coalescentes de uma treva que insiste em se colar aos corpos
constituem ilhotas de intensiva, energética expectação. Tudo e
todos no filme de Blasetti são testemunhas-
tudo é contracampo. Giorno della vita é dos filmes mais geniais que
já vi porque, infiltrado e stacatto de
planos sequências por todos os lados- e quão camerísticos e
incisivos são seus tons e gestos, quão evanescente sua crueldade e
violadora sua presciência!-, é um filme sobre o contracampo: sobre
a impossibilidade de sermos
plenamente num único e definido ponto do espaço-tempo, de
precisarmos necessariamente nos deflagar e dispersa num Outro para
sermos: assim como todo ente deve necessariamente desaguar numa alteridade parra ser reconhecido, em cinema campo e contracampo, plano e sequência etc.
E
aqui não vai nenhuma punhetagem “logofílica”- sociológica,
ontológica... O filme é de uma sobriedade desconcertante, de uma
vitalidade mortificante, de um furor clarividente. Sinto-me tentado
então a enumerar os paradoxos de São Bernardino de Siena ao
enaltecer o esplendor do milagre onto-teológico da Concepção
mariana: aqui, o infinito faz-se finito, a fulminação narrativa, a
crônica de campanha Sturm und drang demoníaco, partida de xadrez
entre a História e o Divino... mas Blasetti tira partido da
crueldade inerente à estética clássica: nada se mostra ( ou não
parece aparecer), até que seja
tarde demais, e vejamos o horror que intersticialmente se mostrara
até ali, sem que estivéssemos à altura dele: os cadres no cadre (
sequência genial da câmera “feito mira”, quando do combate
primeiro com os alemães, no bosque defronte da igreja); a surdina e
o “ser-rastro” com que os personagens deslizam entre um campo e
outro, transformando um concertante Merry-Go-round de cortes em
farfalhante sussurro de Nihil
, em plano sequência cerzido entredentes ( o quão Hitchcock parece
infantil, ao lembrarmo-nos dos fondus en noir de The rope!); e
sobretudo esta genial intuição de mostrar-nos (?) a presença
percebida unicamente como ausência- o tempestuoso e o ominoso sob a
máscara do transparente e do rarefeito ( como na missa de Te Deum,
da qual só vemos as pequenas, divertidas e ciciantes disputas entre
os partigianni, em
torno da igreja, contrapostas contra o reticente murmúrio de Eterno
que rói o campo)... Este roer espelha por sua vez um canibalismo
menos caricioso e bem-aventurado, digamos... os alemães continuam a
rondar ( como o Deo Gratias de Haydn entoado aqui), e ao final voltarão a penetrar
o campo, com exclusão de tudo o mais... O contracampo como
fulminação, só que diferida-
o tempo de um filme...
Ao
final, esta“centralidade e frontalidade “ , em que a câmera
parece corroer a pátina do rosto com os estilhaços da finitude,
intenta se justificar... quando do evento monstruoso que fecha o
filme, só vemos - na profundidade de campo em que o microcosmo do
convento coalesce com o macrocosmo abissal da História à porta- a
“coxia” do horror: os comandos extasiados em fúria, a marcha
horizontal de soldadinhos histéricos, o braço marcial do
comandante, o estrabicamente desvairado olhar de um tenente que
parece recobrar a lucidez, por um momento... quando a câmera enfim
retrocede e- partigiani
agora reunidos, após a morte dos invasores- re-descobre o teatro do
horrível massacre que encerra Giorno della vita, a cena, o proscênio
e a ribalta do cinema clássico reconciliam-se: a quarta parede (
contracampo) retoma seu lugar no plano sequência, e dança... mas
volta a se fechar ( a se entrincheirar ou entombar),
no corte final em fondu...
Não
foi para isto que nasceram os clássicos? Para dançar? Bizet,
Kleist, , Musset, Shakespeare... affaire
de coreografia, númen, Espírito ( do grego Pneuma, Ar: Leveza
rules). Dancemos sobre
os escombros...
Texto meu sobre O som ao redor o Kleber Mendonça na Cinética.
http://www.revistacinetica.com.br/osomaoredor.htm
http://www.revistacinetica.com.br/osomaoredor.htm
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Cosmo
Cosmopolis é uma obra-prima, mas isto é um lugar-comum espectral que não diz ainda porra nenhuma do filme. Aliás, espectral diz. Ah, sim: a a teoria de Austin sobre os enunciados performativos talvez sugira um caminho para falar de um filme de ação onde a ação consiste unicamente em discorrer sobre a sua imponderável impossibilidade em nosso tempo e em nosso mundo ( mundo? tempo? do que se trata mesmo?).
"Enunciados performativos são enunciados que não descrevem, não relatam, nem constatam absolutamente nada, e, portanto, não se submetem ao critério de verificabilidade (não são falsos nem verdadeiros). Mais precisamente, são enunciados que, quando proferidos na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, na forma afirmativa e na voz ativa, realizam uma ação (daí o termo performativo: o verbo inglês to perform significa realizar). (...) Exemplos: Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; Eu te condeno a dez meses de trabalho comunitário; Declaro aberta a sessão; Eu te perdôo. Tais enunciados, no exato momento em que são proferidos, realizam a ação denotada pelo verbo; não servem para descrever nada, mas sim para executar atos (ato de batizar, condenar, perdoar, abrir uma sessão, etc.). Nesse sentido, dizer algo é fazer algo. Com efeito, dizer, por exemplo, Declaro aberta a sessão não é informar sobre a abertura da sessão, é abrir a sessão."
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Carpenter, Vidor, Hawks: diacronia do Kairos
Billy the kid ( King Vidor, 1931)
Rio Bravo ( Howard Hawks, 1959)
Assalto à 13 dp ( John Carpenter, 1973)...
são virtualmente o mesmo filme. Uma América encurralada num espaço concentracionista, cagando-se de medo do Outro, da História, do Recalcado ( e subentenda-se seus respectivos contextos políticos apolcalípticos: o crack de 29 e o New deal; a sombra "mefistofélica" de Maccarthy ainda pairan
Rio Bravo ( Howard Hawks, 1959)
Assalto à 13 dp ( John Carpenter, 1973)...
são virtualmente o mesmo filme. Uma América encurralada num espaço concentracionista, cagando-se de medo do Outro, da História, do Recalcado ( e subentenda-se seus respectivos contextos políticos apolcalípticos: o crack de 29 e o New deal; a sombra "mefistofélica" de Maccarthy ainda pairan
do sobre o liberalismo de Kennedy; e Wartergate).
Ou: da necessidade de substituição de uma crononologia evolutiva\exposivitiva por uma diacronia genealógica para captar a verdadeira temporalidade que imanta, anela e dispersa obras de arte...uma História de.
...pois sabemos que para os antigos Cronos era o tempo da sucessão efemérica, da acumulação anódina de dados e fatos "quaisquer"; era no tempo Kairos que se davam as grandes sínteses- a aurora da Revelação e da Redenção ( e aqui, do sentido)...
Ou: da necessidade de substituição de uma crononologia evolutiva\exposivitiva por uma diacronia genealógica para captar a verdadeira temporalidade que imanta, anela e dispersa obras de arte...uma História de.
...pois sabemos que para os antigos Cronos era o tempo da sucessão efemérica, da acumulação anódina de dados e fatos "quaisquer"; era no tempo Kairos que se davam as grandes sínteses- a aurora da Revelação e da Redenção ( e aqui, do sentido)...
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
O sentido da História Delahaye
Traduzi o texto do Michel Delahaye sobre Legiões de Cleópatra de Cottafavi no Dicionários de cinema. Divulguem. Texto foda sobre filme fodaço.
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/09/o-sentido-da-historia.html
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sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Jia
Pauta Jia Zhang ke na Cinética. Texto meu sobre Prazeres desconhecidos.
http://www.revistacinetica.com.br/prazeresdesconhecidos.htm
http://www.revistacinetica.com.br/prazeresdesconhecidos.htm
Billy Vidor
Vou fazer uma confissão: eu ontem vi um coice de cavalo. Pela
primeira vez. E durou 5 minutos!, verdadeiro circo em locação, com todas as
piruetas e ricochetes da sarabanda tentativa x erro. Um homem e seu cavalo; o
homem, mais ou menos néscio, caipira e despirocado, antes presa que caçador-
tinha um chapéu menor do que a cabeça, uma cintura fanfarrona, um ventre que
mal cabia nos vãos do suspensório. E se precipitava sob a pata do alazão...Pela primeira vez. E não foi
para isto que o cinema nasceu? Para ver as coisas pela primeira vez? Com os
olhos outros- como o foram um dia as “pupilas gustativas” dos cachorros, das
crianças e dos répteis- de uma alienígena incrustação no olho do cu do mundo?
Uma cova sob o planalto do visível? A arritímica fungada da cocaína, o
sempiterno flash da epilepsia, o Hic et nunc do raio sobre Justine. Pedro Costa
escreveu numa conferência em Osaka do espanto que era este cinema primevo- o
espanto de ver um cachorro atravessar a rua e não saber(mos) se voltaria para
casa. O fio finito da vida se esgueirando sob a malevolente crisálida do Fatum
e da História, nela encarniçando-se e encaralhando-se: na próxima esquina, no
vizinho contracampo, se entrincheira a gang de cossacos de cujo humor depende
nosso trono, o raio casualmente fatal, o vômito de um deus? “Do Nada” (e para o
Nada) pode estar tudo acabado... mas já??! e pela primeira vez... O filme se
chama Billy the Kid, do demiurgo-macumbeiro King Vidor, e é de 1930. E foi o
primeiro filme que vi na vida.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Palio, Blasetti
Em Palio ( 1932), Blasetti fazia na Itália o que Renoir encenava
na França e Barnet “brincava” na Rússia: cinema moderno. Basicamente, esta
competição entre cavaleiros numa cidade medieval da Itália se resolve em uma
série(s) de digressões, duos e tercetos entre os atores ( com direito a
piscadelas mais do que extra-diegéticamente maliciosas para a câmera),
panorâmicas “backstage” e contracampos estridentes, que garantem o lugar da
platéia no campo. Por que cinema moderno? Porque teatro. Como assim teatro? Porque
tv, sem mais. A tv é o teatro do nosso tempo, ou seja: o “ao vivo”. O corpo do
ator, o tumulto indisciplinado do fora de campo, a oxigenação do studio system
pela vida e pela morte, embalsamadas de
féerie. Cassavetes, Arrieta, Rouch e Shirley Clarke já estão aí, espiando atrás
da coxia. (Minto: da quarta parede). Filme
indispensável na formação de qualquer cânon genealógico.
domingo, 8 de julho de 2012
O filme do Ferrara me parece um esboço de algo maior que vem por aí. Ou um experimento, se quiserem. Com privilegiados encontros epifânicos- como se deve esperar de um filme que versa sobre o Apocalipse; a linda transa do início, o menino vietkong, o Vento da Morte. Mas um esboço. O curioso é que é um filme simétrica e inversamente proporcional ao Assassino da furadeira: huis clos narcisista e niilista ali, huis clos contemplativo e terapêutico aqui, e ambos centrados sobre a criação de um(a) artista plástico ( um serial killer, uma histérica que tenta chegar à ascese). O neo-demiurgo para um mundo possível a advir?
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Harold and Maude
Revi
ontem o Harold and Maude, habitué da Sessão da tarde no tempo em que eu
"não via filmes", e sim acompanhava histórias e lambia pitorescos. Uma
devastadora visão da America Law and Order nixoniana. O rapaz vira um
campo laboratorial de todas os horrores que o conformismo gerava (
geria) à época; o equivalente ao que o Théatre panique fazia em Paris um
pouco antes, só que em chave depressiva- masoquismo
a serviço da dialética, auto-destruição como a fotocópia superexposta
da Utopia que hoje nos é impossível celebrar. Então, viva a Distopia! O
golpe de gênio é o suicídio de Maude, assinalando em pleno carnaval do
movimento hippye a cortisona decadentista que corroía sua aspiração à
reconciliação, que os votava irremediavelmente à caricatura caduca que
desde sempre foram. Como dizia Adorno em qualquer página, celebrar o
Novo num mundo em ruínas- ou falar em Paz e amor quando a Guerra do
Vietnã bota pra foder-, é regressivo, é acumpliciar-se com o Mal. E
Maude sabe disso- e os personagens de L'enfant secret também. Só que
Harold é de 1973!, e o filme de Garrel é contemporâneo do crepúsculo e
da détresse dos 80.
terça-feira, 15 de maio de 2012
Shadows
Rever Shadows me atiça a
pulga que desde sempre cultivei sob o lóbulo esquerdo. Cassavetes como o grande
diretor que me interessa começa com Mulher sob influência, e compreende basicamente a
"quatrilogia" da performance, com este, Killing, Opening night e
Amantes. Nestes filmes, Cassavetes radicaliza a lição de Rouch ( e por que não
de Renoir?): leva a performance ( o ser aparência, o encarnar-se-encenar-se
aparência) aos quatro cantos da cena, quebrando quarta parede, copa e cozinha-
mas com uma nonchalance, uma cirúrgica precisão irônica, uma paixão esquizo que
o coloca muito à frente da démarche intelectualista dos "performers"
de um grupo Zanzibar, por exemplo. Aqui, vida e cena são indistinguíveis- e
tire daí as implicações políticas, psicológicas e sociológicas que quiser
também, só que isto não é o principal.
Mas há trechos em Shadows –
centrados na inestimável figura de Ben Carruthers e sua gang de grotowskianos
beira de calçada, sobretudo aquela briga final- que claramente colocam o filme
como um condensado- summa da melhor parte de sua carreira, em estado de
latência ( ma non troppo). Em Cassavetes ( como em Rouch), é o corpo o centro,
a cena, o palco; tudo é por ele deflagrado. Plano-sequência é o único modo de
tornar visível esta coalescência entre corpo e mundo- plano e cena. O meio apenas o irradia ou ressoa; em seus melhores filmes,
o “meio” vai restringindo-se consideravelmente ( uma casa habitada por uma
deusa pática em Woman, um club streapper-mausoléu em Killing, um teatro assombrado
em Opening). Tudo se concentra e se descentra absolutamente neste cadinho
transfigurado pelas imagens e energias que o corpo emana. Em Shadows, o espaço
é mais rarefeito, dialogal: a cidade ainda pulsa pelos interstícios do gesto, e divide com o corpo o privilégio da cena.
Cassavetes começa paranóico e vai progressiva e sacramente abraçando o esquizo,
a indistinção entre voz e escuta, corpo e
alma, Logos e cu. Se o corpo ainda trafegava pelo mundo e levava um lero
com ele, agora o mundo vai se corporificando ( possuindo? possessão?), se
encarnando no espaço carceral e Outro do corpo, entre a axila e a aurora em Ursa Maior.
Atualização revista
Pautas especias na nova atualização da Cinética, com Edgar Navarro e curtas brasileiros. Link para dois textos meus sobre Corpo presente de Marcelo Pedroso e Ela morava na frente do cinema do Leonardo Lacca.
http://www.revistacinetica.com.br/corpopresentepedroso.htm
http://www.revistacinetica.com.br/elamorava.htm
http://www.revistacinetica.com.br/corpopresentepedroso.htm
http://www.revistacinetica.com.br/elamorava.htm
terça-feira, 8 de maio de 2012
Thoret sobre Argento
Thoret sobre Tenebrae no Dicionários de cinema:
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/05/tenebrae-dobra-do-recalcado.html
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/05/tenebrae-dobra-do-recalcado.html
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Texto do Domarchi sobre A imperatriz Yang Kuei Fei no Dicionários.
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/04/uma-inexoravel-docura.html
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/04/uma-inexoravel-docura.html
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Luc, Paul
Luc Moullet sobre Maladie de Vecchiali no Dicionários.
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/04/o-pai-o-filho-e-o-cinema.html
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2012/04/o-pai-o-filho-e-o-cinema.html
terça-feira, 3 de abril de 2012
quarta-feira, 7 de março de 2012
Textos novos
Textos meus na Cinética sobre J. Edgar e Cavalo de guerra. Um grande filme sobre um grande filho da puta; e uma grande filha da putagem de cinema.
http://www.revistacinetica.com.br/jedgar.htm
http://www.revistacinetica.com.br/cavalodeguerra.htm
http://www.revistacinetica.com.br/jedgar.htm
http://www.revistacinetica.com.br/cavalodeguerra.htm
terça-feira, 6 de março de 2012
Expressionismos
“Lang en est arrivé à ce point de maîtrise ou la description de chaque personnage, , l’èvolution globale de l’intrigue mais aussi um très grand nombre de plans isolés contiennent intégralement son propos. Ainsi ce plan où Joan Fontaine examine les photos calcinées devant um décor de façade grisâtre (...). On est ici plongé dans um univers à la Metropolis, mais normalisé, banalisé et néanmoins complètement asphyxié”.
Lembrei de outro filme, e não de Lang; reparem nas janelas ao fundo...Nosferatu ( Murnau); Beyond a reasonable doubt ( Fritz Lang). 1922, 1958. Expressionismo ( s ). Da rapsódia romântico-alegórica à abstração funcionalista; de Munch a Le Corbusier e Hopper. De Nosferatu a Beyond a reasonable doubt; uma longa história...a longa história de “rarefação, relocação e des-figuração” de um mesmo fantasma ( bye bye, Freud!).
sábado, 3 de março de 2012
Daisy
Belo filme fúnebre. Como Morte em Veneza, Cronaca familiare, Tristana, Restless ( Van Sant), nasce ( como aqui) ou morre ( como nos outros) numa seqüência de planos que inventariam espaços vazios ( o hotel), por onde uma presença deixou um rastro... é a radicalização do plano fúnebre empreinte (pegada) de Bazin: o plano como um monumento fúnebre à presença que se esvaiu, arrebatada pela temporalidade da sequência... Em toda sequência, aliás, temos um personagem ( o castelo incluso) se despedindo, visado e abandonado pelo contracampo de um Outro que se despede... os espelhos nos bailes, o aquilino olhar da hostess invejosa, o cocheiro que contempla a partida do casal, o guia que os introduz ao castelo... Bogdanovitvh centra a câmera no olhar “do que fica”: ruse cognitiva e fenomenológica. Se a princípio temos a idealização do rosto de Daisy ( campo versus contracampo em eixos enviesados, opondo o perfil de Miller à frontalidade bovina do seu observador), esta fixação da presença erótica num cadre ideal e subjetivo se dissemina por todo o filme, pervertendo-o em um doloroso good bye ao cinema clássico, cinema que se empenhou em eternizar presenças- frontais e fatais, Fatale Beauté. A despedida de Daisy- na carruagem, quando seu close primaveril se ulcera numa drástica borrasca de plano geral, que já antecipa a morte iminente- é o contraponto-rima à visita ao castelo ( Ela pediu que você se lembrasse do castelo!). O próximo se torna distante, a experiência In memoriam... E o arrebatado travelling traseiro final sobre o dandy tumefacto de variola pectoris também o transforma em um fantasma- uma “imagem”, cromo ideal à distância-, à imagem e semelhança do que do que seu olhar predatório impusera a Daisy ( ressentimento audaz da criança no enterro, ao olhar para o homem)... Outro dia estava revendo um precioso bônus da Criterion em Vivre sa vie: Jean Narboni citava O retrato oval de Poe como fonte inspiradora do filme de Godard. A rigor, o récit de Poe é um destes tantos “estudos de caso” decadentistas que linkam a Morte à representação, a Imagem à aniquilação ( Dorian Gray, À rebours...). No conto, um pintor se esmera em retratar sua amada da forma mais escrupulosa possível; e tanto se esforça em sua tara mimético-idealista que acaba por matá-la; na pincelada final, a mulher está morta...mesmo caso aqui: Daisy é transformada numa “imago” pelo contracampo do olhar enamorado; o filme segue o mesmo mortífero percurso... a idolatria cobra um eterno e abissal preço. Ainda hoje. O conto “travesti” crônica de costumes de Henry James se revela um outro gamão entre fantasmas.
sexta-feira, 2 de março de 2012
Terroristas
Dos meus Yangs favoritos. Dos meus filmes favoritos. Lembro de ter visto Terroristas em LD com legendas em mandarim, vhs ( divx) sem legendas, dvd com legendas em inglês, e finalmente ontem sem legendas nem som, pois o dvd tá sem o controle. Em todas, a mesma e outra impressão de que um mundo radicalmente novo se me era revelado. Nos filmes de Yang, o termo décor é um agnus dei que serve a duas divindades, reversas e complementares: o espaço real, capturado pelo plano e organizado no découpage; e o espaço mental do personagem, captado no plano, excentrado pelo découpage e esquizamente distribuído pela “cadeia de produção” do faux-raccord.
Temos um expressionismo que compreende- ao contrário do expressionismo naïf, sirigaito- que em cinema, esta arte onde o mundo sempre “me precede”, o “meu mundo” ( cosa mentale, mas sem sfumato) só pode aparecer se for “mediado e introduzido” pela visão do mundo, tout court. O espaço do plano é esquizo, mão dupla reversível do contracampo ao próximo campo: ele nos dá o mundo a conhecer, mas “concebido” pelo olho do personagem ( no recorte do plano e no découpage); como concepção ( Yang “também” é um artista conceitual).
Ao mesmo tempo, este mundo “concebido”, assimilado e expresso (como quem diz: cuspido de volta) pelo personagem “passou” pela visão telescópica do mundo real ( os panorâmicos e contemplativos planos gerais), pelo mundo que precede nosso olhar- e que aqui nos olha de volta, como em todo bom punheteiro aurático. É um expressionismo - ex-pressão, exteriorização na matéria do daimon interior, presença do personagem no décor e como décor-, mas clarificado e revitalizado por um classicismo- uma visão panorâmica e frontal das coisas, em seu (nosso) irrecuperável novo mundo. O classicismo aqui vira o mestre de cerimônias do Sturm und drang; o mundo, o hostess da consciência.
ps: E um outro filme genial que faz coisa muito parecida – sobretudo nesta relação entre classicismo e expressionismo, Distância/transparência versus Sturm und drang, e na forma como estes links são feitos e desfeitos pelo faux-raccord- é este aqui, ó:
http://www.youtube.com/watch?v=YWUfw501P6o
quinta-feira, 1 de março de 2012
O impossível face a face
Vento e areia. Cinco outras parabolazinhas pedagógicas ( Sjöstrom, Murnau, Lang, Nicholas Ray, Albert Lewin): como um ente finito pode afrontar o Infinito, e não se queimar? “No combate com o mundo, aconselho-te a tomar o partido do mundo”, Kafka, Diários. No cinema, este confronto impossível se torna, se não vitorioso, pelo menos presente. Consumatum est.( João, 19, 30).
O Tigre e o comichão
... não por acaso revendo O tigre de Bengala e... na minha cabeça, o filme era hierático e vertical. Apenas. Mas no interstício deste campo e contracampo que celebra as aparências “ao fixá-las como ícones”- ou seja, matando-as-, há um jogo, tão sinuoso quanto as panorâmicas de Buñuel, entre os corpos e o espaço- os corpos entre os espaços, as distâncias e as proximidades, as oclusões e as expansões; e do espaço enfim visado como um corpo entre outros, fluido e poroso. Pergunto-me se o ponto de vista que nos proporciona este espetáculo osmótico de transições e trocas não seria o de uma ziguezagueante serpente, encerrada entre as brechas do templo. Retomando o paralelo com Buñuel: o que se convenciona determinar como clássico- “claro e distinto”, retilíneo e conseqüente como uma hipótese cartesiana, e faço aí muita injustiça a Descartes, homenzinho sumamente esquisito que antecipou Becket, Francis Bacon e Deleuze com seus corpos muito particulares- é aí “pervertido” pela indicação, nas frestas da mise en scène petrificada, do trabalho do tempo- ou do tempo como um “trabalhar”-, que esboroa tudo, inclusive os defuntos valores (e imagens) que o filme parece esposar. Se a serpenteante pan de Buñuel é o caminho oblíquo e sibilante da pulsão, aqui a câmera se torna o avatar do demoníaco- canção de Gesta envenenada destas forças que jazem sob nós, nutrem-nos, masturbam-nos para, num coup de théatre fatal e certeiro, bela noite cariciosamente nos devorarem. Algum alemão maluco chamou a Morte desta “inflexão curvilínea de volta ao útero”. É, o Fim reencontra o Príncípio. E o Princípio já era o Fim. No fundo, são a Mesma e Outra, opalescente e nacarada, cantiga de Nada que acalanta nossos caríssimos demônios- livros e degolas, sonatinas e arquejos, Fúrias e serafins, Madoninas ebúrneas e vamps marmóreas. Esta barcarola – Liebestod encarnado num gesto e num sexo- eu escuto aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=cev78glZiKg
A woman
http://www.youtube.com/watch?v=HGvJS5Pkx3Q
Vejam Chaplin travestido neste A woman de 1915. Ele se mira no espelho da câmera- que é nosso olhar- para ver como ficou. ( 16:44 em diante). Não, não é um mero clin d’oeil de ator de Molière. A câmera é designada enquanto tal: Ele quebra a quarta parede! O que Pasolini, autor com confessa e visível influência chapliniana, faria em 69, na cena do confronto entre Léaud/Wiazenski (Porcile)- quando Wiazenski , de pé, abandona a posição à direita onde estivera no plano frontal e fixo e se dirige para a esquerda “fora” do quadro ( e a câmera a segue!), Chaplin já o faz em 1915. Olha, vou te contar: estes “clássicos” a cada vez me fazem refletir que os críticas são uns babys mongos mimados, tentando suscitar/inferir oposições conclusivas, sincrônicas, cronológicas e sobretudo “arbitrárias” sobre a representação...palmada nestes derrières!
Vejam Chaplin travestido neste A woman de 1915. Ele se mira no espelho da câmera- que é nosso olhar- para ver como ficou. ( 16:44 em diante). Não, não é um mero clin d’oeil de ator de Molière. A câmera é designada enquanto tal: Ele quebra a quarta parede! O que Pasolini, autor com confessa e visível influência chapliniana, faria em 69, na cena do confronto entre Léaud/Wiazenski (Porcile)- quando Wiazenski , de pé, abandona a posição à direita onde estivera no plano frontal e fixo e se dirige para a esquerda “fora” do quadro ( e a câmera a segue!), Chaplin já o faz em 1915. Olha, vou te contar: estes “clássicos” a cada vez me fazem refletir que os críticas são uns babys mongos mimados, tentando suscitar/inferir oposições conclusivas, sincrônicas, cronológicas e sobretudo “arbitrárias” sobre a representação...palmada nestes derrières!
The bank
http://www.youtube.com/watch?v=TIQR7j87Gis
Não é só a posição da câmera-“mostrar”, comme il fault-, mas o escalonamento variável das distâncias entre a câmera e o vagabundo ( proletário aqui) que é conclusivo. Dependendo da distância, o gesto ora se expande, ora retrai-se, ora parece fortuito, ora predatório, ora jubila ora massacra. Chaplin nestes curtas geniais imprime à pantomima o caráter de um catalisador demoníaco das forças que saturam o espaço; estas mesmas forças en sursis que logo tomariam o primeiro plano da cena, sob a forma calcinada dos cadáveres da Primeira Guerra Mundial. Além dos prodígios com os limites do cadre ( que compartilha com Griffhth), é a secura e a crueldade que tornam seus curtas ainda tão presentes. Verdadeiros Sades hors boudoir; jeu de massacre puro. Os sentimentais morrem cedo: de Harry Langdon, só Lang pants restou.
Não é só a posição da câmera-“mostrar”, comme il fault-, mas o escalonamento variável das distâncias entre a câmera e o vagabundo ( proletário aqui) que é conclusivo. Dependendo da distância, o gesto ora se expande, ora retrai-se, ora parece fortuito, ora predatório, ora jubila ora massacra. Chaplin nestes curtas geniais imprime à pantomima o caráter de um catalisador demoníaco das forças que saturam o espaço; estas mesmas forças en sursis que logo tomariam o primeiro plano da cena, sob a forma calcinada dos cadáveres da Primeira Guerra Mundial. Além dos prodígios com os limites do cadre ( que compartilha com Griffhth), é a secura e a crueldade que tornam seus curtas ainda tão presentes. Verdadeiros Sades hors boudoir; jeu de massacre puro. Os sentimentais morrem cedo: de Harry Langdon, só Lang pants restou.
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Fuck Dios
http://www.youtube.com/watch?v=tHZDtSsAWR8
Não há cheiro que nos repugne mais que o da comida quando saciada a fome ou de um corpo extinta a libido. Alguém tolera o cheiro de comida no cochilo pós-almoço? Ou o sovaco do amado pós-coito? Disgusting. É porque exalam o cheiro de um corpo em decomposição ontológica; morto o desejo, tudo é fétido e Outro. Só há uma mediação capaz de transcender esta perversa economia da necessidade: der Liebe!, o Amor. Há páginas e páginas sobre isso em Hegel e Freud, mas nada que se iguale a nossa fome e nossa sede, que a tudo aspiram e em nada se encontram.
PS: O amor ágape do Evangelho, o que é então? A Santa Ceia teve a função justamente de substituir a economia da necessidade pela economia da transcendência; pela mediação do amor ágape – em Cristo e no Cristo-, transfiguramos a Necessidade em Desejo de (pelo) Divino. E a grande astúcia do cristianismo foi esta: dai de comer a quem tem fome de espírito, e ele não mais terá fome de nada. Deram-lhe, então, servido numa cruz, o próprio Deus para comer.
Griffith, o inocente
http://www.youtube.com/watch?v=a9Vw8vIiVIU
Apesar de ter filmado muitos melodramas perversamente idealistas- vitorianos-, Griffith era um cineasta eminentemente materialista; por isso referência constante em Straub, aliás. Tudo nele se resolve nos limites materiais do cadre enquanto cadre: posições deontológicas, affaires de classe, poder e paixão, Blitzkriegs energéticos, confrontos de eidos e de ethos. Tudo. Jean-Pierre Oudart poderia tê-lo facilmente usado como ilustração do seu A sutura; mas não o fez porque Griffith, ao contrário de Bresson, era “inocente” (leia-se: um artista em-si), “pecado” gravíssimo em épocas - paranóicas- de suspeita.
Apesar de ter filmado muitos melodramas perversamente idealistas- vitorianos-, Griffith era um cineasta eminentemente materialista; por isso referência constante em Straub, aliás. Tudo nele se resolve nos limites materiais do cadre enquanto cadre: posições deontológicas, affaires de classe, poder e paixão, Blitzkriegs energéticos, confrontos de eidos e de ethos. Tudo. Jean-Pierre Oudart poderia tê-lo facilmente usado como ilustração do seu A sutura; mas não o fez porque Griffith, ao contrário de Bresson, era “inocente” (leia-se: um artista em-si), “pecado” gravíssimo em épocas - paranóicas- de suspeita.
More, Barbet Schroeder: The Self and me
O self foi uma invenção burguesa e metafísica; muitos filmes do marasmo pós-68 apostaram na auto-destruição como meio terminal de transcendência ( ó, Satã, livrai-nos do cárcere privado do ego, amém) e resistência- na UTI embora- ao mundo burguês. A criança secreta de Philippe Garrel (1982) é a obra-prima tardia deste movimento, desta “vasta inflexão curvilínea em direção ao útero”, como algum alemão chamou a morte. No caso, por “overdose geracional”. More (Schroeder, 1969) é o seu aborto temporão; filme errante, histérico (Living theatre de banheirão, pessimamente declamado) e supliciado por um esquema cromático Jugendstil. A rigor, estas poderiam ser qualidades, mas claramente Schroeder não sabe de onde vem nem para onde vai, se do cu para a boca ou vice-versa ( e creiam, esta oposição é séria: Logos versus pulsão). Provavelmente, sofria dos mesmos surtos psicóticos que os heroinômanos do filme, um casal de crias pequeno-burguesas, albinas e narcisistas- Mimsy Farber e Klaus Grünberg, anoréxicamente chatos. Mas a forma circunavegante e claustrofóbica do filme põe uma questão: não seria o girar sobre si mesmo que o filme reproduz- julgando-se embora entre Cila e Caribde- exatamente o espelho do movimento entrópico de uma impossível resistência- existencial, política- no inverno pós-68?
O que os utopistas oba-oba daquela geração talvez tenham concluído, mau grado seu, era que a morte do mundo burguês era na verdade ( e apenas) o assassinato dos seus pais- uma questão familiar, freudiana, não epocal/histórica/estratégica ( a rigor, indiscerníveis no anti-Édipo deleuziano). As suas bombas eram uma cusparada nos estoques do pai patrão; suas barricadas uma cagada na marta da mãe; suas guerrilhas e auto-imolações públicas o estupro da filha do jardineiro. E ao fazer este link, o que me vem à cabeça é o plano em Enfant secret de uma desoladoramente abstêmia Anne Wiazenski no vagão de trem, no caminho do velório da mãe.
.Mas More é um filme que registra este movimento como um sismógrafo-topeira, como obra ou corpo que menos especula ou reinventa que res-sente uma experiência maior do que seu próprio ego ( cu, no caso). O grande tratado logofílico e apocalíptico, a grande cerimônia fúnebre e exorcista desta prematura ( et dejà trop tard) sensação de game over que assolou uma geração viria apenas em 1973, e chamar-se-ia A mãe e a puta.
Usher e a demiurgia do fantasma
Encenações demiúrgicas assombradas pela decadência sempre tiveram uma péssima idéia sobre a representação ( ah, os primitivos e os judeus também: pas d’image, s’il vous plaît!). Ou do mal que o signo pode fazer ao ser. Este Queda da casa de Usher, que Epstein dirigiu em 1928 ( há uma versão bem mais sóbria e camerística dirigida por Astruc) é, com O Dorian Gray de Wilde, o Salambó de Flaubert e O retrato oval - também escrito por Poe e recauchutado genialmente por Godard no final de Viver a vida- das versões mais exuberantes deste fascínio de uma certa modernidade pelas virtudes fúnebres do “significante”. À medida em que é pintada pelo marido- em que vira uma imago-, a senhora Usher, embalsamada pela pátina do Nada, se desvanece e rarefaz; o curioso é que a horrível cópia providenciada pela Continental, à imagem e semelhança da personagem, também vai se decompondo ao longo do filme, irresistível, carnívora e lancinantemente, e acabamos com uma espécie de mise en abyme a posteriori com a qual certamente Epstein não contava.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Léon entrevista
http://www.elumiere.net/video/leon_02.php
Por que o Cahiers perdeu para a chã, anêmica Positif? Simples: o Cahiers sempre defendeu a écriture, na tela e na página em branco. Estilo, mais-valia do sentido. Coisa muito pouco popular numa época predatória- leia-se: funcional e pragmática- como a nossa, em que o significante - a mais-valia,a transcendência hermenêutica do dizer, a diferença, o equívoco polissêmico fundamental à fecundação de uma posteridade- se prostitui no balcão de negócios do jargão, do facebook taquigráfico, da pornografia do dizer ( ou do dizer como pornografia= valor de troca). Ó, Marx, que estranhos caminhos tive de percorrer para chegar até você.
Por que o Cahiers perdeu para a chã, anêmica Positif? Simples: o Cahiers sempre defendeu a écriture, na tela e na página em branco. Estilo, mais-valia do sentido. Coisa muito pouco popular numa época predatória- leia-se: funcional e pragmática- como a nossa, em que o significante - a mais-valia,a transcendência hermenêutica do dizer, a diferença, o equívoco polissêmico fundamental à fecundação de uma posteridade- se prostitui no balcão de negócios do jargão, do facebook taquigráfico, da pornografia do dizer ( ou do dizer como pornografia= valor de troca). Ó, Marx, que estranhos caminhos tive de percorrer para chegar até você.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
...
http://www.youtube.com/watch?v=0P6qrcw3mgs&context=C3c3d778ADOEgsToPDskLID7PTluO6cNy4RgenLLAg
Upada a abertura de L'étrangleur de Vecchiali, seu filme hitchcock-cocteaunesco, repertório rocambolesco de fantasmas "en avant-dernière": fetiche, duplos, Liebestods de subúrbio. Uma cena originária filmada como se deve: condensação feérica, deslocamento homicida. Ou seja: de pirar o cabeção.
Upada a abertura de L'étrangleur de Vecchiali, seu filme hitchcock-cocteaunesco, repertório rocambolesco de fantasmas "en avant-dernière": fetiche, duplos, Liebestods de subúrbio. Uma cena originária filmada como se deve: condensação feérica, deslocamento homicida. Ou seja: de pirar o cabeção.