sexta-feira, 30 de julho de 2010

O caso




Esta dimensão pedagógica, o cinema como uma forma de ver mais e melhor, ou de voltar a perceber plenamente o mundo, nós que fomos dele separados...Há dois filmes modernistas que assumem tematicamente esta tarefa que, em Rohmer- grosseiramente falando: classicista- está integrado organicamente na matéria do filme, mostrado no desenrolar da história, escolha de locações, paisagens espirituais e naturais, etc. São Blow-up e A hipótese do quadro roubado.Em ambos, há literalmente uma ampliação ( fotográfica, no primeiro; pelo uso dos tableaux vivants, no segundo) do evento representado cujo fito é nos fazer des-cobrir a que registro este evento pertence: se ao domínio do imaginário ou da alucinação, se ao fático... Antonioni confunde deliberadamente as dimensões: no final, estamos tão perdidos no furacão quanto no começo; a câmera registrou realmente um assassinato, ou a visão do crime que a ampliação nos revela consiste numa interpretação do fotógrafo? e são tantos os avatares alucinógenos que podem borrar e falsear uma visão na Londres psicodélica- infernal- que o filme apresenta... Em Ruiz, prevalece ( a princípio) a lógica francesa, o encadeamento preciso e límpido de uma suposta "ordem das razões" : trata-se de uma lição, orientada pela ilustração do tableau vivant, em direção ao desvelamento do mistério, ou do mistério encapsulado dentro do mistério: o mistério da representação- o personagem que não deveria estar no quadro mitológico- que permite o desvendamento/solução do caso real, do thriller que o filme vai paulatinamente se encarregando de assinalar... até que nos perdemos novamente, pois estamos no domínio das hipóteses, do pensamento especulativo, e não das ciências da Natureza aqui... coup de théatre final: quando o professor se pergunta, no final do filme- questão evasiva, questão que se esfuma no ar- se a representação ( os quadros) e os eventos ( o crime) não pertenceriam, não adquiririam realmente um sentido definitivo ( e definidor de verdade) no domínio mais originário (e portanto definitivo) do mito... não seria o que víramos até agora uma referência a um culto ancestral da figura do andrógino, culto que vai espraiando ao longo da História ( e das histórias) o seu cortejo de figuras, de significantes?...

... e aí basta saber ver, aprender a ver melhor.... mas a pedagogia cristalina do classicista Rohmer, atenta e embevecida pela fascinação ontológica ( "People walking by on the street, children playing, the arrival of trains: it was all very banal. For me what is most important, is this original state of wonder. In as much as my films are themselves very elaborated, very constructed, this impression disappears, but it does not remain any less linked to the fact, common to all films, of deriving a value from, for example, the physical presence of the actor), aqui se turva e returva , é o caldo de cultura de digressões, arabescos, serpenteios da forma... razão primeira: nos modernos, a obra descreve uma curva em direção a si mesma; não lhes interessa mais a transparência, coincidência/conjunção entre o olhar e o olhado, mas a forma como isto se dá, na linguagem em suma... não mais a frontalidade da vista ou do panorama, mas a parabólica que se inflete na direção das coxias, da cozinha da arte; "CAHIERS: Let’s go back to the Pascal quote: in La carrière de Suzanne it’s not Suzanne before and after the film that we will see better thanks to the film, but Suzanne, as a filmed being, between the beginning and the end of the film. In other words, Suzanne-outside-of-the-film is neither the subject, nor the matter of the film: the reading of the spectator can only be brought to bear on Suzanne-in-the-film, as a “filmic being”.


ps: o caráter paradigmátoico desta entrevista com Rohmer está na seguinte razão: como um cineasta que reinvindica tão explicitamente a transparência classicista, a obra como um mostrar da ordem e Beleza pré-existentes no mundo ( basta saber ver o que já está lá) pode ter na linguagem - construção totalmente cultural, histórica, muito pouco "no mundo", muito pouco já lá- um dos objetos principais, senão o principal, de sua obra?

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