sexta-feira, 30 de julho de 2010

Wanda: o deserto do deserto










Nicole Brenez tem um belo texto sobre Uma mulher sob influência no qual cita outro grande filmes sobre “ a loucura das mulheres” dos anos 70, Wanda. Só que a contrário da personagem Mabel, que segundo Brenez contém um dom de ser ( expressão minha) que agrega e integra em torno de si, pela pura e simples manifestação de sua presença, um mundo de afetos, nem sempre cristalinos é bom lembrar. O pardal assustado Wanda é justamente o contrário: à expansão de Mabel, temos uma retração diante do mundo que se traduz, ora num plano generalíssimo ( como o que nos mostra uma figura de Klee, ponto errante na imensidão baldia do subúrbio, atravessando ou sendo atravessado por um cemitério de automóveis, no início do filme), ora numa câmera que se estreita desajeitada e insidiosamente sobre Wanda, ou antes: escarpa trechos do seu corpo, este porto de passagem; a mão do ladrão cardíaco , outro andarilho improvável da América escanteada, sobre suas pernas; o seu rosto diante do espelho, pasma enfim de ser. Mabel regurgita e explode: é desterritorialização, afluente para outros corpos e humores, abertura; Wanda é um pedaço de terra expropriada e à beira do barranco, progressivamente mais angelicalmente passageira e vacilante, à medida em que o filme roça a superfície do triller, mas um triller que sofreu um derrame e, agonizante e afásico, ficou jogado num canto do asilo. Se a Mabel sobra ser, a Wanda falta ser; muitas vezes fora do quadro, com sua voz minguada e anasalada minando ainda mais a exigüidade dos buracos de rato por onde trafega; ou recolhida num canto do plano, ela poderia auscultar ou testemunhar os eventos a que ocasionalmente se dá ao luxo de prestar atenção, pois é lugar comum a crença de que os habitantes das margens tem uma visão privilegiada- eqüidistante, equilibrada- do centro. Mas Wanda prefere- ou é preferida- ser marcada por, trafegada pelo mundo e pelos outros, e a ansiedade ou a apatia magnéticas do rosto de Loden, escondendo-se e aflorando simultânea e imprevistamente sob a epiderme assinalam bem esta função do corpo-sismógrafo,o rosto como revelateur sísmico, que percute e repercute o fora de quadro ; e se a América paranóica e maníaco depressiva dos road movies dos anos 70 não persegue – como em Gun crazy-, mas é perseguida e acossada- como já nos anuncia o crepuscular They live by night-, Wanda é o filme que materializa numa presença- esmaecida, mirrada, fugaz- este grande itinerário da paranóia pelo deserto da inação e da fadiga; o deserto do western, pioneiro e fundador, aqui cede lugar ao deserto do deserto: um inóspito dead line para a aventura de ser um Outro, este grande Paraíso imaginário de drama e chiaroscuro que foi o gênio do classicismo americano.




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